- Você realmente me surpreende constantemente.

- Por quê?

- Como pode alguém, por dois fins de semana consecutivos, em inicio de ano novo, perder seu tempo em cemitérios?

- Perder o meu tempo? Situado entre os bairros do Pacaembu e de Pinheiros encontram-se duzentos e vinte mil metros quadrados repletos de obras de arte, de árvores frondosas, de histórias de vida e de muito silêncio.

- Sim, imagino que esteja curioso para dar sequência à sua idéia de desenvolver uma publicação sobre arte tumular, mas o que o fascina ao ponto de levá-lo, em tão pouco espaço de tempo, a frequentar esses locais sórdidos e deprimentes?

- Vamos reiniciar o nosso diálogo pois não há nada deprimente nesses espaços públicos maravilhosos. Inicialmente vislumbro a possibilidade de desvendar a trajetória de pessoas raras e de forte personalidade como a atriz Cacilda Becker: “ Cacilda começou no teatro paulista como atriz amadora e se profissionalizou em 1948 . Neste ano, Nydia Lícia recusou um papel na peça "Mulher do Próximo", de Abílio Pereira de Almeida , produzida pelo Teatro Brasileiro de Comédia - TBC, para não ter que beijar nem dizer "amante" em cena, pois isto podia lhe custar o emprego numa importante loja. Cacilda, que a substituiu, exigiu ser contratada como profissional, acabando com o velho preconceito de que artista sério deveria ser diletante”.

- Neste cemitério do Araçá também encontra-se o controvertido mecenas, político e empresário, Assis Chateaubriand. O que sabe sobre ele?

- “Chateaubriand foi um magnata das comunicações no Brasil entre o final dos anos 1930 e início dos anos 1960 , dono dos Diários Associados , conglomerado que em seu auge contou com mais de cem jornais, emissoras de rádio e TV, revistas e agência telegráfica.  Também é conhecido como o co-criador e fundador, em 1947, do Museu de Arte de São Paulo (MASP), junto com Pietro Maria Bardi , e ainda como o responsável pela chegada da televisão ao Brasil, inaugurando em 1950 a primeira emissora de TV do país, a TV Tupi . Foi Senador da República entre 1952 e 1957”.

- E na área de música, há alguém enterrado nesse seu “éden”?

- Deixe de provocar-me. Talvez agora você entenda porque estou buscando compreender melhor São Paulo através daqueles que repousam em paz mas que deixaram para sempre a sua marca, o seu registro e a importância de sua missão de vida: “Com carreira iniciada com a banda Memphis em 1973 , Wander Taffo fundou a banda Rádio Táxi, que fez muito sucesso com a música "Eva" em 1983 . No final dessa década, Wander deixou o grupo e passou a fazer carreira solo, junto com os irmãos Andria e Ivan Busic , lançando o disco Wander Taffo , produzido pelo produtor musical Liminha . Chegou a receber o prêmio Sharp de Música na categoria "Revelação Pop Rock Masculino" por um solo gravado em Los Angeles, em 1989. No ano seguinte, foi eleito melhor guitarrista do Brasil pela crítica especializada. Com Marcelo Souss nos teclados, formou-se a Banda Taffo , que teve sucesso com seu disco Rosa Branca ”.

- Não vou mais provocá-lo pois estou ficando curioso com as suas explicações. Algum escritor renomado – e talvez esquecido – tem seus restos mortais também no Cemitério do Araçá?

- José Mauro de Vasconcelos. “ Dotado de prodigiosa capacidade inata de contar histórias, possuindo fabulosa memória, candente imaginação e com uma volumosa experiência humana, José Mauro de Vasconcelos não quis ser escritor, foi obrigado a sê-lo. Os seus romances, como lavas de um vulcão, foram lançados para fora, porque dentro dele o "eu" estava transbordando de emoções. Ele tinha de escrever e de contar coisas. Sua fenomenal produção literária, iniciada aos 22 anos de idade, ainda não chegou ao meio do caminho, porque ele está em plena ascensão, com inexauríveis reservas, que o levarão a posição ainda mais elevada nas letras nacionais”.

- Sem dúvida é fascinante. Entretanto não acredito que você aí encontre obras tão espetaculares e suntuosas como no Cemitério da Consolação.

- Você tem razão. A arte tumular nesse espaço, sacro a meu ver, é mais singela porém mantém a elegância apropriada a um cemitério de uma das maiores metrópoles do Planeta: São Paulo. Sobre Vicente Feola, o jogador e treinador: “A bagunça que ocorreu na preparação para a Copa do Mundo de 1966, quando o Brasil chegou a ter quatro times treinando juntos, e a fraquíssima participação propriamente dita na Copa, encerraram a carreira de Feola como técnico de seleção, que foi diretamente responsabilizado pelo fatos negativos. Mas depois se veria que não foi bem assim, havendo muita interferência política na seleção por parte dos dirigentes da CBD e do país, na época governado por um regime militar que via no futebol uma ótima forma de se promover internacionalmente e também junto à população brasileira mais carente”.

- Aos poucos vou aceitando a sua maneira de ver as coisas. Procure o concreto através do abstrato, do intangível, é isso?

- Não, não é isso. Busco entender o porque de nossas existências através de exemplos consagrados por aqueles que se tornam imortais. Sobre os personagens acima descritos, busquei informação rápida conforme cito no artigo. Isso aguça a minha curiosidade. Na Grécia antiga, por exemplo...

- Xiii! Deixemos para outra ocasião o mundo da mitologia ou de filosofia, rsrsrs...