- Como você consegue viver dessa forma, tão atribulado? Sempre o vejo apressado, de aeroporto em aeroporto, de cidade em cidade, de hotel em hotel. Deve ser insuportável, não é mesmo?
- Confesso às vezes estar cansado de tanta movimentação, porém, sempre que me encontro em um local onde não tenha vivido, algo me fascina.
- Dê-me um exemplo.
- Um exemplo? Posso citar-lhe várias situações e vivências que não esquecerei jamais. Acabo de chegar de Santiago, capital do Chile. Comecemos pelo portão de entrada, o aeroporto. O espaço é claro, agradável, e tem um diferencial em sua decoração que nos faz sentir felizes por aterisarmos em solo chileno. Se compararmos com o aeroporto de Guarulhos...
- Onde hospedou-se? Dizem que os hotéis locais são famosíssimos.
- Na verdade, durante as duas primeiras noites dormi em um hotel baratíssimo. Cerca de R$ 50 reais o pernoite. Hotel decadente, quase o HO. Você sabe o que é um HO?
- Como foi parar nesse sórdido lugar?
- Estava com dificuldades em conseguir vagas e pela internet obtive o endereço do estabelecimento. Ao chegar tive a impressão de adentrar em um prostíbulo. No primeiro andar de um prédio dos anos 30, encontrava-se a recepção mal iluminada, toda forrada de madeira escura, onde uma loura já em idade avançada sorriu-me largamente e exibiu os poucos dentes que ainda permaneciam em sua arcada. O batom vermelho escuro aumentava a espessura de seus lábios e a fitinha rosa em seus cabelos a transformava em um personagem dos filmes de Fellini. Passado o susto, senti-me embriagado porque ter a oportunidade de dormir como um anjo no centro do baixo meretrício da capital chilena.
- Eu hein? Você é muito doido. Todos nós sabemos que a cidade é elegante, tem forte influência europeia e está entre as mais aprazíveis do planeta.
- O Chile recentemente foi sacudido por um terrível terremoto que provocou muitos estragos e causou sofrimentos por todo o País.
- Entretanto, o trauma uniu seus habitantes que estão solidariamente auxiliando compatriotas com doações espontâneas para auxiliar aqueles que, por infortúnio, perderam suas casas, suas famílias, seus bens, suas esperanças e o seu futuro. É muito triste...
- É triste sim. Porém, apesar das intempéries e surpresas bruscas da natureza, é preferível conviver com esta situação do que ser dependente de um ambiente com balas perdidas, tráfico de drogas, execução sumária, esquadrões da morte e incompetência governamental como na mais espetacular cidade do planeta: o Rio de Janeiro.
- Decida-se. Fale-me sobre o Chile e esqueça por hora as suas mágoas quanto à incapacidade do Brasil tomar conta de si próprio.
- Deixa pra lá. Percorra as páginas de Pablo Neruda ou acompanhe as aventuras de Roberto Bolaño.
“Un poeta lo puede soportar todo. Lo que equivale a decir que un hombre lo puede soportar todo. Pero no es verdad: son pocas las cosas que un hombre puede soportar. Soportar de verdad. Un poeta, en cambio, lo puede soportar todo. Con esta convicción crecimos. El primer enunciado es cierto, pero conduce a la ruina, a la locura, a la muerte. Conocí a Enrique Martín poços meses después de llegar a Barcelona. Tenía mi edad, había nacido en 1953 y era poeta.”
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