Cumpre-nos, antes de tratarmos do tema proposto, trazer os conceitos de produto e serviço. O CDC no seu artigo 3º, §§ 1º e 2º, diz que “produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial”; já serviço, “é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista.”
Observa-se o conceito de produto é muito amplo, alcança todo e qualquer produto colocado no mercado de consumo. Quanto aos serviços, existe uma peculiaridade. Só pode ser considerado serviço aquele realizado mediante remuneração, que são pagos e não gratuito, como por exemplo: a) os serviços de hospedagem, b) os serviços de transporte, c) os serviços de educação, d) entretenimento etc.
Mas, haverá situações onde os serviços não são pagos diretamente, como acontece com os estacionamentos em supermercados, farmácias e Shopping Center. Neste caso, ainda que o consumidor não pague diretamente pelo serviço, este é remunerado indiretamente, na medida em que o consumidor consome os produtos.
Pois bem, definidos os conceitos de produto e serviço, passemos então a discutir quando esse produto ou serviço está viciado ou com defeito. Será que essas expressões (defeito e vício) são sinônimas ou têm significados distintos.
O Código de Defesa do Consumidor (CDC), ao tratar da responsabilidade civil do fornecedor, cria duas hipóteses de aplicação, a primeira denominada de “responsabilidade pelo fato do produto” (artigos 12-14) e a segunda de “responsabilidade pelo vicio do produto” (artigos 18-20).
É preciso esclarecer que responsabilidade civil é a obrigação que uma das partes tem de reparar os danos por ela provocados, sejam morais ou materiais, decorrentes da prática de atos ilícitos, ou seja, da ação ou omissão voluntária, imprudência ou negligência que causa dano a alguém. Em suma, toda vez que alguém, agindo ilicitamente, causar dano a outrem fica obrigado a repará-lo.
Quando o CDC fala em fato do produto, dizendo que “o fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador respondem, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos de correntes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamentos de seus produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos” (art. 12), ele está fazendo referência ao chamado acidente de consumo.
O mesmo acontece em relação ao fato do serviço, pois o “fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, para reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos” (art. 14).
O que é acidente de consumo?
O dano causado ao consumidor em razão de um defeito no produto ou no serviço. Produto ou serviço defeituoso é aquele que não oferece a segurança que dele se espera.
Como exemplo de acidente de consumo, podemos citar aquele do carro zero quilometro que sai da concessionária e que, no primeiro semáforo não consegue parar causando um grave acidente, gerando danos não só patrimoniais, como também à vida de outros condutores e pedestres.
Observa-se que no exemplo acima, uma falha nos freios do veículo (defeito no produto) causou um dano não apenas ao consumidor proprietário do veículo, mas a outras pessoas, pedestres e condutores de veículos. É o típico acidente de consumo. Neste caso, o fabricante do veículo será obrigado a reparar todos os danos causados ao consumidor e aos envolvidos.
Como exemplo de defeito (acidente de consumo) no serviço prestado, podemos citar o acidente ocorrido com o avião da TAM, onde inúmeras pessoas morreram (passageiros e proprietários dos imóveis onde o avião caiu. Além das mortes o acidente causou danos materiais, com a destruição de diversos imóveis.
Nos dois exemplos envolvendo acidente de consumo por defeito no produto ou no serviço, os consumidores e as demais vítimas foram indenizados, ou seja, no primeiro caso a fabricante do veículo teve de indenizar o consumidor e todos os demais envolvidos, e, no segundo caso, a TAM teve que reparar os danos provocados aos passageiros (consumidores) e as vítimas.
E vício, o que é vício?
Vício é um defeito que não causa dano. O vício está intimamente ligado à qualidade ou quantidade do produto, tornando-o impróprio ou inadequado ao consumo ou diminuindo-lhe o valor (art. 18). O vício do serviço se restringe à qualidade do serviço, que o torne impróprio ao consumo ou lhe diminua o valor (art. 20).
Os exemplos de vício do produto são variados, como: a) a TV que não funciona, b) o liquidificador sem motor, b) o celular que não obedece aos comandos da tela, d) o refrigerante sem gás, e) o carro zero arranhado, f) o produto alimentício com data de validade expirada (vencido), e) os enlatados amassados etc.
Como exemplo de vício no serviço, temos: a) a venda de passagem aérea acima do número de passagens disponíveis, c) o caixa eletrônico que não libera o dinheiro sacado, c) o atraso no vôo, d) o filme que era em cores, mas só passa em preto e branco, e) o serviço de hotel que não funciona como contratado, etc.
Observa-se que, em todos esses exemplos, seja em vício do produto ou serviço, o defeito no produto não causa danos ao consumidor, apenas torna o produto ou serviço impróprio para o consumo ou lhe diminua o valor.
Portanto, à primeira vista, defeito e vício podem expressar a mesma coisa, entretanto, não são. Nas palavras do Rizzato Nunes, “há vício sem defeito, mas não há defeito sem vício; o defeito pressupõe o vício. O defeito é o vício acrescido de um problema extra, alguma coisa extrínseca ao produto ou ao serviço, que causa um dano maior que simplesmente, o mau funcionamento ou não funcionamento.”(2).
Neste estudo fizemos uma abordagem sucinta dos institutos previstos nos artigos 12-14 e 18-20, defeito e vício, respectivamente, apontando suas principais características e aplicações práticas. É evidente que não tivemos a pretensão de esgotar o assunto, até porque o espaço não é acadêmico, entretanto, tentamos expressar um pouco do pensamento do legislador. Nos próximos textos iremos abordar como o consumidor pode exercer seu direito e exigir a responsabilidade civil do fornecedor.
1 - “Pode soar estranho dizer isto, mas em pleno século XXI existem pessoas que sequer sabem da existência do CDC, razão pela qual a inserção da disciplina no ensino fundamental é medida imprescindível para a formação de consumidores conscientes.
O dever de informar sobre os direitos e deveres dos consumidores e dos fornecedores é do Estado. Neste ponto, o Estado falha, sobretudo ao relegar esta obrigação à iniciativa privada. Já se passaram 20 anos, desde a entrada em vigor do CDC, muito se fez, mas, ainda, existe muito a se fazer, sobretudo quando o assunto é a difusão do CDC.
Sem uma educação adequada, pouco provavelmente o consumidor estará preparado para interpretar as normas elencadas no CDC. Se os próprios aplicadores e operadores do direito confundem os institutos existentes no Código, quem dirá o consumidor que é leigo.
Um exemplo disso é o disposto no artigo 12[viii] e 18[ix], do CDC. O primeiro trata da responsabilidade civil pelos danos causados aos consumidores por defeitos nos produtos; o segundo prevê a responsabilização dos fornecedores pelos vícios de qualidade ou quantidade. Ora, defeito e vício não têm o mesmo significado?
Na linguagem utilizada pelo CDC não. São expressões parecidas, mas com significados diametralmente opostos. O consumidor está preparado para distinguir um instituto do outro? É evidente que não. [...].” BORGES, Luiz Cláudio. Direito do consumidor: Os efeitos pragmáticos da Lei nº 12.291/2010 que obriga a sociedade empresária e o prestador de serviços a ter um exemplar do CDC à disposição do consumidor. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, 95, 01/12/2011 [Internet]. Disponível em http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=10876. Acesso em 02/05/2012.
2 - Nunes, Luiz Antônio Rizzatto. Comentários aos Código de Defesa do Consumidor. Rio de Janeiro. Saraiva, 2000, p. 214.
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