- Adeus. Adeus Lucinha .Adeus após tantos anos de injustiça.
- Injustiça?
- Lúcia nasceu com mais de um mês de atraso. Na época, a cesariana não era comumente praticada e dessa forma aguardaram a "benção de Deus" para que pudesse ver a luz do dia.
- Veio ao mundo com problemas de saúde que a acompanharam desde a tenra infância. Fisicamente, não era privilegiada. Era míope , usava óculos com lentes espessas, tinha pouco apetite e vivia reclusa , não participando da vida social de suas exuberantes irmãs no auge da juventude.
- Na escola estava sempre deixada de lado e em casa supria sua necessidade de carinho através do som de um acordeão que parecia jorrar lágrimas por todas as tardes calorentas na metrópole frenética que também não a inseria em seu contexto vital.
- Lúcia , aos poucos, foi tomando gosto pela culinária- nossa mãe, mineira de Uberaba, era uma exímia cozinheira- e descobrindo dessa forma uma razão para apreciar a Vida ao levar o prazer gustativo aos demais.
- Com sua imaginação tecia em crochê jogos americanos,porta-copos,centros de mesa,colchas com desenhos geométricos, todos minuciosamente construídos com paciência e obstinação.Era a satisfação dos parentes que levavam para seus lares a "Grife Lucinha". Das residências mais abastadas aos cantos mais simples , todos se orgulhavam em ter em sua intimidade familiar obras dessas mãos geniais.
- Os irmãos sempre tinham notícias uns dos outros através desse ser discreto e pacificador. Notícias dos irmãos, tios e primos , de norte a sul; de Jataí, em Goiás, a Petrolina , em Pernambuco, passando por Umuarama no Paraná ou Uberaba em Minas Gerais, nos chegavam de forma gentil e pacificadora.
- O monstro , um câncer arrebatador, devorou as energias da minha querida irmã e tirou-lhe o direito de conviver no cotidiano simples quando tomar um café na esquina passou a ser um evento impossível pois seu corpo desfalecia à medida em que a doença progredia assustadoramente. Lúcia perdia o apetite, os cabelos, os movimentos vitais ,mas não perdia a fé e esperança de vencer e derrotar o ser maligno destinado a arrebatar-lhe a vida.
- No dia 15 de janeiro, dois dias antes de seu aniversário, Lúcia faleceu. Eu estava ao seu lado e o som apavorante do aparelho que media a sua frequência cardíaca denunciou o fim de uma vida conturbada de um ser querido por muitos, incompreendido por vários e menosprezado por alguns.
- Adeus. Adeus minha querida irmã. Adeus forrinhos de crochê, adeus gentilezas sutis, adeus Ser querido.Quanta nostalgia, quanta tristeza, quanta decepção com o Destino.Debruço-me na escuridão da incompreensão e busco luz no horizonte da existencia humana.Adeus.
Fábio Brito
Siga o Varginha Online no Facebook, Twitter
Varginha Online - © 2000-2024