- Que bobagem. Aprenda a ser paciente e a apreciar a beleza desta estação climática, quando o sol não nos martiriza com seus raios escaldantes, quando a temperatura é amena e, sobretudo, quando a cidade parece abençoada e disponível com todos os seus encantos.
- Mas e a sujeira? Os próprios habitantes, soteropolitanos, dizem que a cidade está suja. Que e o Centro Histórico é perigoso e está decadente...
- É pura desinformação e muito preconceito. Pura ignorância também. Ao passear pelas ruelas, becos e vias sinuosas e insinuantes, você vai ficando maravilhado com os detalhes e com a magnificência das edificações, embora às vezes vítimas da decadência cultural da elite intelectual baiana porém, mesmo assim, forma um conjunto arquitetônico que emociona os mais sensíveis e sedentos de um Brasil mais elegante e histórico.
- Vocês tiveram o privilégio de ficar alojados em uma pousada charmosa, o chão forrado de ladrilhos hidráulicos, pilares de ferro com adornos de época, quartos simples porém bem decorados e um atendimento impecável que faz sentir-se em casa, mas, provavelmente, devem ter ficado muito tempo na charmosa pousada, pois com as chuvas...
- A água é um tesouro, meu amigo. Mas desconsiderando a sua ironia e seguindo o meu relato: caminhamos, meu filho e eu, até o Elevador Lacerda e demos um mergulho no acervo de peças artesanais do Mercado Modelo, o equivalente do Bazaar Egípcio de Istambul. Ali ficamos sentados em uma bar do primeiro andar de onde admirávamos o Forte São Marcelo e os cargueiros que pairavam ou desfilavam nas linhas do horizonte.
- Choveu?
- Choveu sim, seu chato. O cenário, belíssimo, exibia nuvens espessas e pinceladas por um acinzentado que anunciava a presença das chuvas. Com rápidas estiadas, seguimos para o Forte de Monte Serrat. Encomendamos um arrumadinho - feijão de corda, carne seca e farofa - e degustamos a adorável e antiga Bahia com sua singela porém saborosa cozinha. Descemos caminhando até a Praia da Boa Viagem e ali nos encontramos inseridos na verdadeira Salvador onde não há turistas e a população parece feliz por encontrar-se na terra soteropolitana.
- E no dia seguinte sob a chuva?
- No dia seguinte, meu caro, continuamos buscando as minucias e atrativos pitorescos dos casarios sombrios, esquecidos, melancólicos e maravilhosos. Saímos fotografando. Cãesinhos no parapeito de uma janela, paredes descascadas com cores esmaecidas, reminiscências que ressaltavam a força do passado. A Bahia me remete à descoberta do Brasil, faz-me sonhar através do relato de Pero Vaz de Caminha ao desembarcar no Novo Mundo.
- Será que chovia quando Cabral chegou em Porto Seguro?
- Deixe-me continuar: a Bahia não é africana, a Bahia é brasileira. Americana. Sul-americana. O baiano é um ser do Novo Mundo. A miscigenação, o aporte de costumes portugueses mesclado à cultura africana resultou na criação de um ser especial, naturalmente alegre e cativante e muitas vezes irresponsáveis: o ser baiano.
- Mas o que tudo isso tem a ver com vossos três dias de descanso, quando você e seu filho se movimentaram sem trégua?
- Salvador é descanso. Salvador me repousa o espírito. Me faz sentir mais brasileiro, mais humano e partícipe do vasto universo tropical e equatorial quando estou imerso em suas entranhas e no útero da nação brasileira. A Bahia é o berço do Brasil.
- Pois é. Tudo isso ocorreu em setembro de 2007 quando chovia, chovia e chovia em Salvador.