Era uma noite fria no cerrado do Brasil Central.
Sentado, em uma bar humilde e simples, com decoração e senso estético inexistentes, localizado em uma rua sem movimento onde estavam espalhadas cadeiras e mesas de plástico, amarelas e desbotadas, sobre um piso de cerâmica marron claro que era uma singela pincelada de bom gosto naquele inócuo ambiente popular sul-mato-grossense, eu sorvia a sensação mórbida e deliciosa da mescla de tédio com monotonia em terras para mim até então longínquas.
Sobre uma das mesas expus os livros ,comprados em um sebo campo-grandense, Mar Morto, de Jorge Amado e O Gaúcho, de José de Alencar. Escritos, narrações e descrições que nos levam a universos distintos de um imenso Brasil, terra de contrastes!
- "Como são melancólicas e solenes, ao pino do sol,as vastas campinas que singem as margens do Uruguai e de seus afluentes. A savana se desfralda a perder de vista,ondulando pelas sangas e coxilhas que figuram as flutuações das vagas nesse verde oceano.Mais profundo parece aqui a solidão, e mais pavorosa,do que na imobilidade dos mares."
- "A noite se antecipou. Os homens ainda não a esperavam quando ela desabou sobre a cidade em nuvens carregadas .Ainda não estavam acesas as lâmpadas do cais, no farol das estrelas não brilhavam ainda as lâmpadas pobres..."
José e Jorge, de Alencar e Amado,ambos inexistentes nesse final de mês de inverno nos trópicos, me transmitiam, através da leitura, a sua imortalidade impregnada nos romances, no âmago do universo literário ,quando a solidão se impõe insolente na materialização da consciência do ser só, do estar só.
Me vem à cabeça cenas,sensações de odores e de sabores, imagens de pessoas que há muito não vejo, luzes, ruidos, movimentos, lembranças... Puras recordações!
Ouço badalar o sino de relógio de parede na antiga casa de minha avó, na cidade paulistana de Barretos, e me sinto atordoado com o som dos cascos dos resistentes cavalos que atritam nos paralepípedos ao puxarem as charretes destinadas à mobilidade humana, em detrimento do bem estar dos nobres animais. O canto do galo na madrugada anuncia o amanhecer do dia,os pingos sonoros da chuva em telhas de madeira de teto sem forro, o burburinho do deslizar das límpidas águas cristalinas e mansas do córrego rumo ao bosque denso e impenetrável, a gargalhada de uma criança no seio da noite! Estaria sonâmbula? Seria o Saci Pererê em suas estripulias? Seria um jovem mula-sem-cabeça ou um espírito infantil errante?
Estremeço. Sou nômade de corpo e de alma, de sentimentos e de espírito. Sinto arrepios e em fuga percorro os labirintos de minha mente ,derivados de amores em ruinas.
Amo a folha, o caule, o tronco, a flor, a fruta,o tremor dos galhos em fúria na ventania. Amo o olhar, os cabelos, os seios, o nariz, a respiração ofegante, os lábios, o raciocínio, os pensamentos em amores e paixões.
Amo a solidão, sólida companheira. Amo estar e ser só. A solidão ativa o cérebro!
"Não ouvis nessa majestosa onomatopéia repercurtir a surdina profunda e merencória da vasta solidão?"
José e Jorge, de Alencar e Amado. O Gaúcho e Mar Morto!