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Coluna | Periscópio
Wender Reis
wendernew@hotmail.com
Pedagogo e Orientador Social, curioso observador de tudo que causa espanto no mundo.
 
Geração Prosaicos
23/11/2016
 
Uma casa de um único cômodo com o chão que ao invés de azulejos tinha no piso muitos ralos. Ralos de todos os tipos, com estrados que formavam figuras diferentes, todas elas rostos desconhecidos. Eu transpirava e lacrimejava de maneira involuntária e tentava desesperadamente conter meu derretimento, mas o tempo passava e eu ficava mais pálido.

Poderia estar narrando um sonho real, mas não se trata disso, este eu inventei. Sou do tipo de pessoa que não se lembra dos sonhos que sonham enquanto dormem. A ciência forja explicações para deixar isso, que é comum, comum. Mas ainda é um comum diferente. Eu gostaria de me lembrar dos meus sonhos. Eventualmente, em alguma temporada até consigo me recordar de qualquer coisa que sonhei, bem eventualmente. Sonho acordado para compensar, tem sido assim desde sempre. Sonhar acordado emociona menos, não há figuras surreais, cenários distorcidos, emoções ao quadrado, é tudo mais lógico. Pelo menos é a impressão que tenho do lado de cá da consciência. Às vezes, mas um "as vezes" mais recorrente, gostaria de me ocupar com os mistérios do lado de lá. Escolher os melhores legumes para a dieta no sacolão, ouvir a vizinha falar do filho malandro, pagar conta no banco, lavar as cuecas no chuveiro é tão prosaico que o espelho até se assusta. Esse universo tem lá seus fascínios, mas entedia rápido. Seriados são sempre melhores que novelas. E a vida vive nos atirando para fora de nós, onde é sempre novela. Mesmo com seus altos, é sempre novela. 

Queria escrever me forçando a um exercício de interpretação do meu sonho. Dizer que talvez fossem minhas memórias que escorriam de mim e eu tentava desesperadamente evitar que fossem filtradas por ralos que representavam desconhecidos, e que a casa de um cômodo só seria eu mesmo. Talvez existam outras interpretações possíveis. Sim, talvez.

Mas a verdade é que tenho que me ater as figuras reais. E as vezes viver é mais do eu que eu posso, mas o real está na vida. Nessa que não há boemia intelectual, onde bares são fast-foods e chatos, onde seus astros se matam, onde crescemos e descobrimos a encruzilhada de portas abertas. Uma infinidade de escolhas é o que o mundo nos parece oferecer, a única certeza é a ausência de garantias. O lado de lá da consciência é mais hollywoodiano. Os dias passam e tenho superestimado cada vez menos a vida. Síndrome do homem comum. 

Antes de terminar, o sonho foi real, o texto que não, e vice-versa.

 
 
 
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