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Coluna | Periscópio
Wender Reis
wendernew@hotmail.com
Pedagogo e Orientador Social, curioso observador de tudo que causa espanto no mundo.
 
Carta para homens não abortados
08/12/2016
 
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Senhores, 

As mulheres abortam. Sempre abortaram. Sempre abortarão. Branca, preta, parda, magra ou acima do peso, felizes ou tristes, sempre abortarão. 

Enquanto homem, não posso deixar de considerar de onde a minha cabeça pensa para falar sobre o aborto. A forma como o assunto é tratado no Brasil diz mais sobre nós homens que das mulheres. Proliferam-se discursos abertos ou velados reivindicando protagonismo onde não nos cabe, onde o nosso mérito não alcança. 

Eu nunca escutei “encerre essa gravidez”. Eu nunca fui mãe solteira. Eu nunca tive um filho não reconhecido pelo pai. Eu nunca temi o julgamento de minha família por uma gravidez não desejada.  Eu nunca tomei mistura de remédios arriscando a falência de algum órgão. Eu nunca me intoxiquei com alguma erva exótica. Eu nunca me deitei em mesas cirúrgicas de clínicas clandestinas. Eu nunca morri tentando interromper uma gestação. Eu nunca tive um filho contra a minha vontade. 

Minha mãe, esta sim, teve um filho contra a sua vontade, o mesmo que vos escreve agora. Depois de três filhos, ela não queria encarar outra gestação, não queria outra criança para cuidar praticamente só, já que meu pai, bem como a imensa maioria, entendia que a função do homem em uma família era trabalhar, nada mais. O que importa de uma longa história é que minha mãe não teve o direito a escolha, prevaleceu a vontade de meu pai, eu estou aqui. Não escrevo para demonizar meu velho, embora também não o isente de suas responsabilidades, tampouco lamentar o fato de que minha mãe não queria este outro filho, este que sou eu. Sim, eu poderia não estar aqui. E se não estivesse a discussão sobre a minha existência não me faria nenhum sentido, já que é a mim que ela interessa. Não consigo mensurar os impactos psicoemocionais que a minha mãe teria caso não tivesse engravidado de mim ou mesmo me abortado, mas de um eu tenho plena convicção: se sentiria mais empoderada de “suas” escolhas, ainda que tivesse que se haver com elas depois. 

Meu passado está em paz. Paz agora eu quero para o futuro das mulheres, pois da mesma maneira que dizemos a torto e a direito que existem vários métodos contraceptivos, que basta a vontade da mulher para ela não engravidar. Pois então se consideramos que o corpo é dala para dizer essa bobagem que quer dar a ela a responsabilidade maior de uma gravidez, é no mínimo um paradoxo negá-las e, pior, criminaliza-las por se permitirem autoridade sobre o próprio corpo. Repito, o próprio corpo. 

Não podemos negar uma realidade onde o aborto clandestino é a quinta causa de morte materna no Brasil. Milhares e milhares de vidas perdidas. O debate sobre o aborto tem mostrado o quanto nossa sociedade ainda está imatura para discutir questões tabus, que há muito deveriam ter deixado de ser. É preciso salvar os enganos para que eles parem de continuar nos afundando no abismo das mesquinharias. É preciso entender e falar sobre aborto como uma questão de Saúde Pública que é - e não de Segurança. E se o lema cristão ocidental é amar ao próximo, digo-vos para amarem as que aqui estão, elas, as mulheres que abortam, que sempre abortaram e sempre abortarão. 
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