- Você tem algum vício?
- Vícios e virtudes se confundem, correto?
- Como???
- Após responder-te, se isso te deixa feliz, te darei uma segunda resposta,
embora eu não creia que seja um ser virtuoso. Percebo ter meus caprichos
perante a vida...
- O céu, nublado e acinzentado, prenuncia a chegada da noite ou, se
preferir, do final do dia.Os postes antigos e elegantes com
lampadárias do final do século XIX e início do século XX, enfileirados
na simbólica Avenida São João, no Centro
de São Paulo, nos remetem ao passado e nos fazem lembrar que a Cidade
era bela, bem zelada, charmosa e com arquitetura de época. Linhas
sóbrias e européias no franco-italiano de seus traços.Mas
...perguntando de novo: você tem
defeitos? Tem vícios?
- Sou moldado por imperfeições físicas e morais. Entre os defeitos, os
piores, estão a leitura compulsiva e a necessidade premente de ter a
escrita como companheira constante. Outro defeito é o de buscar enxergar
beleza por todo lado onde me encontro ;quando de minhas andanças pelo
Brasil afora, pelos ambientes soturnos, por Unidades Carcerárias que
freqüento ao proferir palestras a detentos ou durante os trajetos de
minha locomoção na urbe, em transporte público, onde transbordam
pessoas pelas portas e janelas, nos
momentos de pico da circulação coletiva de citadinos
cansados, extenuados, enraivecidos e frustrados, sem saber o por quê do
vil sentimento da opressante sensação de pertencimento ao que há de pior
em uma Metrópole mal planejada.
Nas calçadas mal pavimentadas, mal tratadas e sem estética das grandes cidades
brasileiras, desenham-se metrópoles sem cara e sem alma; deselegantes no
povoamento desordenado sem planejamento e ferozmente vilão.
O belo é o resultado da percepção do olhar, da predisposição de enxergar o
diferencial tênue ou brusco entre o bonito, o bruto, o feio, o
anti-estético e o horrível.Tudo me maravilha!
- Como você é bizarro! Sempre tentando nos convencer de que tudo é
relativo, que o belo é feio, que o mal é uma derivação do bem e que o
bem inexiste e que na infelicidade está a felicidade. Não é isso?
- Vou te responder de outra forma caso consiga expressar-me de forma
clara, objetiva e lúcida, em meu conceito de objetividade: o masoquista é
feliz no sofrimento. Estar mal lhe faz bem. O sádico se satisfaz ao
maltratar. O pio religioso assimila o sofrimento e a dor como obras
divinas para a evolução espiritual da essência humana. O assassino fica
extasiado face à beleza rubra do sangue derramado. Os artistas plásticos
transformam o horror e o terror em verdadeiras obras primas: do Dilúvio
à Primeira Guerra Mundial, da Torre de Babel ao Tsunami Lisboeta, da
Guerra de Secessão à Proclamação da Independência do Brasil às margens
do tímido riacho Ipiranga.
Cleópatra era uma désposta,
Cristo é uma lenda. Ambos estão
retratados com maestria artística nos momentos finais, lúgubres e
tétricos de suas vidas: o envenenamento através da picada de uma cobra
e o corpo mutilado na cruz.
- Cruz credo! Como de hábito você extrapolou novamente!
- Extrapolei? Eu? A Humanidade toda extrapolou ao estimular a "Guerra
Santa" para estimular o ódio, a chacina, o homicídio; e tudo em nome de
Deus,pela pretensa vontade divina para justificar de forma cruel e esdrúxula,
impiedosa, a ignorância coletiva do homem que não compreende a origem do
raciocínio, do pensamento e o porque da efêmera existência humana.
- Leio, para você, de Adalgiza Ribeiro de Paulo, habitante de Francisco
Morato, em São Paulo-SP:
“Seu nome é Maria
de vida fácil como tantas
À noite se faz vadia
é filha da boemia,
depois se torna santa.
É acorde que desencanta,
tem a Santa que rompe o dia,
Sua vergonha já não espanta,
esterco que nutre a planta.
Seu nome é Maria”
-Meu Deus, quanta blasfêmia!!! Cruz Credo!!! Fui!!!...
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