Não faltam réguas para medir as consequências da crise econômica no Brasil. Os altos índices de desemprego, a queda no consumo e mesmo o aumento de ocorrências de crimes como furto e assalto a banco são faces do nosso contexto socioeconômico. Azar de uns, no caso, a maioria, sorte de outros, uns poucos.
No interior, falando especialmente sobre Varginha e região, chama atenção a forte inserção dos tão falados “certificados de contribuição”. Trocando em miúdos, cartelas do Super Saúde e Minas Cap Uai que são rifas semanais realizadas por instituições de caráter filantrópico para arrecadar fundos, com a diferença do aparato midiático que as tornam bem mais comerciais. Com destaque para as APAES que são, talvez, as mais tradicionais nesse mercado, essa estratégia, que obviamente é legal e admitida pelo Estado, tem crescido substancialmente país afora.
E o que esse mercado da sorte (azar) nos fala sobre a crise?
O óbvio ululante aponta que a crise consome perspectivas de futuro, a esperança de estabilidade financeira, de carreiras bem-sucedidas e etc. A crise torna a vida mais imediata, o amanhã já é hoje, e hoje não parece haver tempo para sonhar. Sendo assim, o caminho mais fácil para tornar real algum sonho material, para aqueles e aquelas que não optam pelo crime, é o da aposta. “Vai que agora é minha vez”, e através desse pensamento a sorte dos vencedores é financiada. Como a crise deixa muita gente se sentindo azarada, apostar torna-se uma válvula de escape para uma realidade diferente.
Vale então chamar atenção para o lado sombrio dessa lógica que sem pudor algum vou batizar de “mercado da desgraça”. Por que:
1) Dados apontam que com a economia em alta esse tipo de prática perde a força, ou seja, não tem tanta adesão dos consumidores, o que as tornam insustentáveis. Logo, a crise é crucial para o lastro do discurso que chama mais atenção para a oportunidade de uma vida melhor, ganhando prêmios, que para as supostas benesses sociais oriundas dos certificados de contribuição premiáveis. Pois, pense você, o que te leva a adquirir um desses certificados, o fato de ajudar entidades ou a vontade de ganhar um prêmio? Se a resposta foi esta segunda, não se sinta mal por isso, pois imagino que seja a mesma da grande maioria. O problema não está nela em si, mas no cenário que descortina. Pois é muito conveniente ajudar se podemos ganhar algo em troca. Como educador, aviso que essa lógica não é nada educativa.
2) O Brasil é um campeão mundial em número de organizações não governamentais, o que não surpreende, posto que nosso Estado deixa muitos espaços vazios quando o assunto é garantia de direitos. Particularmente acho muito, mas muito perigosa, essa maneira de financiamento de instituições filantrópicas, mesmo admitindo que o Estado seja ausente. Essa prática que, lembrando, só funciona na crise, preenche de maneira ilusória uma lacuna deixada pelo Estado e, ao preenche-la, o mantem isento de suas responsabilidades.
Ademais, por geralmente se tratar de muito dinheiro, vale deixar transparente para toda a população como isso funciona, inclusive com as contas abertas para a sociedade. Pois nossa experiência mostra que onde tem muito dinheiro, a corrupção está sempre por perto. E estamos de olho.