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Coluna | Periscópio
Wender Reis
wendernew@hotmail.com
Wender Reis é pedagogo, mestre em Gestão Pública e Sociedade pela Unifal/MG, Analista de Educação no Sesc MG e apresentador do programa Bem Brasil na rádio Educativa Melodia FM. Atua na articulação entre educação e cultura em Varginha.
 

Sociedade sem luto
02/11/2017
 
Em dezembro de 2004 a terra tremeu no leito marinho ao norte da Indonésia. O terremoto de 9 graus na escala Richter causou o maior tsunami que o mundo havia visto em 40 anos. A onda destruidora matou mais de 220 mil pessoas em 13 países. Aproximadamente 1,5 milhão de pessoas ficaram desabrigadas. Adolescente, 16 anos de idade, chorei desconsolado acompanhando pela TV a morte de milhares de pessoas que nem sequer conhecia. Aquilo produziu em mim uma comoção tão forte que ao me lembrar fico arrepiado e trêmulo. Acho que tenha sido a primeira vez que matei Deus, para ressucitá-lo em seguida e matá-lo novamente outras várias vezes, tonar a ressucitá-lo e o matar num ciclo contínuo...

O terremoto que causou o tsunami me conectou de maneira tão forte a vida daquelas pessoas a ponto de conseguir sentir a dor avassaladora de todas aquelas perdas. Foi um luto social que vivenciei por um bom tempo, as imagens daqueles corpos espalhados pelos destroços, pendurados em árvores sempre estarão presentes em minha memória.

Hoje, no dia oficial do luto, me ponho a pensar nos lutos sociais que não temos vivenciado ou que não temos sofrido de modo a concluí-los. “Estar de luto é estar sofrendo”, como disse o o filósofo francês André Comte-Sponville em seu livro Bom Dia, Angústia! Para quem vivencia a perda a constatação é óbvia. Mas com a sutileza dos pensadores ele chama atenção para um aspecto interessante da dor, relacionado com a ideia de pausa ou interrupção: em francês, estar sofrendo (être en souffrance) também significa estar “em suspenso” ou “à espera de solução”. Mas afinal, que solução pode existir para apaziguar uma grande perda?

Quando crianças, somos estimulados a pensar na moral da história, ou seja, no que os contos ou fábulas se propõem a nos ensinar. Hoje, me parece que diante das várias tragédias que temos presenciado, sobretudo aquelas causadas por seres humanos, como eu e você, nós não temos aprendido nada. Basta ver as principais manchetes do mês de outubro: Atirador em sacada de hotel, massacre em creche, atentado na África. Creio que não temos ficado em suspenso o suficiente para elaborar estes episódios de luto social.

As tragédias se sucedem, os lutos se sucedem, as manchetes se sucedem e parece que, como um radar, estamos apontando sempre para o próximo, para o que virá, nunca para o que foi. Com isso, as lições não são aprendidas e os episódios se repetem. Somos mídia, e a mídia só se interessa pelo que vem depois. Os elos rompidos se tornam passado tão rápido quanto acontecem. Sem elaborar e refletir o que se perdeu, miramos para um futuro de cartas marcadas, onde mais tragédias evitáveis nos avizinham. Tragédias das quais não aprenderemos nada. Não sofremos mais as perdas sociais, apenas viramos a página. Nos tornamos uma sociedade sem luto.
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