Rio de Janeiro, Café Odeon. 8 de março de 2003
Perseguido pela sensação de cansaço e de desânimo, despertei-me às 11 horas da manhã. No saguão do pequeno Hotel Itajubá, no centro antigo do Rio de Janeiro, revi o jovem negro musculoso, dentes alvos e bem alinhados que, na véspera, tomara uma caipirinha no bar onde me encontrava no findar do dia.
Ao seu lado uma jovem francesa, minissaia e blusa generosamente decotada, ares de comerciante do sexo e ambos eram, aparentemente, integrantes da ligação entre o submundo carioca e a busca de divertimento negocial de uma representante do primeiro mundo.
Respiro fundo, pois os jornais estampavam em suas manchetes que o Presidente dos Estados Unidos, George Bush, teria oferecido ao ditador Saddam Hussein para que ele terminasse o desarmamento de seu país ao destruir mísseis de longa distância e indicar os locais onde estariam escondidas as armas químicas e biológicas em seu país.
"Bush e Blair dão 10 dias a Saddam". "Colaboração do Iraque não interrompe plano de guerra".
Pareciam gritar as letras garrafais das notícias na primeira página de um jornal de grande abrangência no território carioca.
"No maior enfrentamento diplomático no Conselho de Segurança desde o início da crise iraquiana, Estados Unidos e Grã-Bretanha anunciaram ontem em ultimato de dez dias ao Iraque, desencadeando a absoluta oposição da França, apoiada por Rússia, China e Alemanha, que pediram mais tempo para os inspetores da ONU realizarem o seu trabalho".
"Londres e Washington já têm mais de 250 mil soldados no Golfo Pérsico prontos pra atacar o Iraque, preferiram apegar-se aos aspectos negativos do novo relatório dos inspetores de armas apresentando ontem ao Conselho, ignorando o aumento da cooperação iraquiana destacada pelo documento".
As notícias continuavam a bombardear o meu equilíbrio mental.
"A proposta deverá ser votada na terça-feira e estabelecer até o dia 17 de março (de 2003) como data final para que o ditador Saddam Hussein entregue suas supostas armas de destruição em massa e forneça resposta para todas as dúvidas ainda existentes sobre seus programas bélicos proibidos".
Desta forma, naquele sábado de 8 de março de 2003, o Jornal O Globo continuava massacrando os seus leitores.
Do ângulo de onde me encontrava, sentando à uma das mesas do Café Odeon, eu avistava as palmeiras imperiais ainda jovens, cujo balanço de suas folhas anunciavam a mudança do tempo: o céu azul se tornara cinzento, a temperatura até então amena prenunciava a chegada de chuva e de frio na continuidade daquele dia.
Volto pela linha do tempo e encontro-me confinado na Capital Paulista, nesta quinta-feira 9 de abril de 2020. As notícias não são alentadoras. "Estados já constatam forte queda na receita do ICMS". "Na quarentena, demissão é pelo WhatsApp". "Firmas alegam crise para renegociar os contratos". "Crivella confirma mortes por covid-19 na Rocinha". "Indústria lidera pedidos ao governo de medidas anticrise".
"Emprego é a preocupação central". "Bolsonaro e Mandetta discutem a relação e têm dia de trégua na crise". "Previsões de queda dos PIBs do comércio global indicam recessão severa". "Estados estimam perder de 20 a 30% de receita em abril"
As manchetes continuam não animadoras. Encontramo-nos confinados, mais sensíveis, mais focados, extremamente céticos e descrentes da mídia impressa, das mensagens encaminhadas através das redes sociais e do universo virtual e permitimo-nos uma reflexão mais aprofundada sobre a grande oportunidade que estamos tendo de respirar o ar em São Paulo, praticamente sem poluição, de caminhar pelas ruas da grande metrópole sem o perigo de estar atropelado por um motorista desatento e encontramos um aconchego na leitura e no diálogo com pessoas que "bruscamente" descobriram estarem mais humanas pois o Coronavírus deixou bem claro que todo o ser humano para ele é "um igual", não há distinção entre ricos e pobres, negros, amarelos ou brancos, enfermos ou saudáveis, crianças, jovens ou ancianos.
O Planeta Terra agradece, momentaneamente, a chegada do valente vírus que poderá certamente induzir a uma mudança comportamental que permitirá que o Ser Racional passe a respeitar outras vidas na vasta gama de espécies animais e vegetais da Terra.