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Coluna | Periscópio
Wender Reis
wendernew@hotmail.com
Pedagogo e Orientador Social, curioso observador de tudo que causa espanto no mundo.
 
Aparando gerúndios
01/06/2020
 
Entre os tantos motivos e sujeitos para despertar minha comoção, voam dentro da minha cabeça os profissionais da aviação civil. Um dos meus sonhos inalcançáveis, desses que todo mundo tem um, era ser piloto de avião. Em uma cena de cinema, minha mulher me perguntaria “você voa hoje?”, acho que na aviação não se diz “que horas você vai para o trabalho?” E o melhor de tudo, não se diz adeus, mas bom voo. Para quem vive com a cabeça nas nuvens como eu, isso soa bonito. Mas, devaneio à parte, fato é que não tem ninguém voando. 

Um vírus impôs uma nova rotina para um velho mundo ou está instituindo um novo mundo sobre velhas rotinas. Nesse velho mundo com novas rotinas ou nesse novo mundo que atropela as velhas rotinas, eu, que nunca tive nenhum apreço por agentes de telemarketing, quando meu celular toca, torço para que seja algum. Vibro para que do outro lado da linha esteja uma pessoa e não um robô. Raramente tenho sucesso. Quero conversar, mesmo que os assuntos sejam os planos e vantagens de operadoras de telefonia e cartão de crédito cujo os planos são justamente que você não tenha nenhuma vantagem. 

Essa necessidade de conversas banais me fez renegociar uma dívida por telefone. Sempre me faltou paciência para negociar, mas neste caso fiz questão de agilizar as tratativas. Queria gastar o tempo, queria gastar os ouvidos, queria gastar os argumentos (verdadeiros e falsos). Eu queria estar operando telemarketing, acho que é assim que se diz, só para ligar para estranhos, falar sobre qualquer coisa usando gerúndios, trocar respirações e desinteresses. Alguém ou vários alguém’s para conversar.

A noiva denuncia que tenho amigos e familiares para ligar e conversar. Mas acontece que apesar do vírus ter imposto uma nova rotina para um velho Wender ou estar aplicando um novo Wender sobre velhas rotinas, o outro é sempre o outro. Você muda a postura e isso gera estranheza. Como explicar ausência para os amigos e familiares durantes os dias “normais”? Eu e os amigos até ensaiamos uma videochamada, mas acontece que nos falta tato, os homens são tolos envergonhados. E também, a gente nem sempre está disposto a causar e a lidar com a estranheza dos outros em relação a nós mesmos?

Nesse novo ou velho mundo, continuamos não tendo tempo, aliás, nem sequer sabemos o que é tempo. Mas temos silêncios. Dá para ouvir o mundo agora. Nunca ouve, nem nunca haverá segurança se insistirmos em viver na beira do precipício. Vale mesmo a pena os arreios em nossos corpos? Vale mesmo a pena dormir com bússolas nos travesseiros?

P.S: Diacho de literatura que romantiza tudo, mesmo sem querer. Não me perdoarei por ter ensolarado o telemarketing. Enfim, continuo querendo conversar, me liga se tiver meu número, ou me passe o seu que eu ligo para você. Promessa. 
 
 
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