A menos de quarenta dias para a vigência das penalidades previstas na Lei Geral de Proteção de Dados – LGPD (Lei nº 13.709/2018), foi publicada recentemente uma pesquisa que indica que 84% das empresas brasileiras ainda não se adequaram à Lei.
A dificuldade de adesão provavelmente está ligada à falta de percepção, por parte da sociedade brasileira, de que a LGPD é apenas parte de um processo que há muito já se iniciou.
Já dissemos em outros artigos desta coluna que a Lei brasileira é inspirada no Regulamento Geral de Proteção de Dados da União Europeia (GDPR), que entrou em vigor em 2018. No entanto, a matéria da proteção dos dados pessoais é debatida, estudada e aplicada no espaço europeu desde o início da década de 70, o que faz com que os cidadãos europeus já estejam familiarizados com o tema.
Regulações desta natureza estão sendo instituídas em diversos países ao redor do mundo e representam uma reação à revolução tecnológica atual, que tornou possível o processamento de dados em volume e velocidade antes inimagináveis, passível de comprometer direitos e liberdades dos indivíduos em níveis também impensáveis.
A LGPD, no Brasil, é apenas um primeiro passo para o que está por vir, com o desenvolvimento da chamada internet das coisas e da inteligência artificial. O mundo já mudou! E esta mudança já é vivenciada entre nós. Os seus efeitos negativos mais profundos, entretanto, parece não serem palpáveis, o que atrasa a percepção das pessoas da urgência de mobilização para sua proteção, tanto como titulares de dados, quanto como agentes de tratamento de dados.
Estamos nos consolidando como uma sociedade baseada em dados pessoais –novo ativo empresarial que impulsiona o desenvolvimento econômico. Logo, a proteção dos direitos e liberdades das pessoas por trás dos dados é um imperativo para o qual a LGPD é apenas um primeiro passo.
É preciso um esforço de mudança de mentalidade para se perceber a nova realidade e o lugar da proteção de dados pessoais neste contexto. As informações pessoais contidas nos dados, uma vez combinadas com outras informações e analisadas por programas de inteligência artificial, geram novos dados, que evidenciam aspectos da personalidade do respectivo titular, passíveis de conduzir a ações restritivas da sua liberdade e influenciadoras das suas escolhas, assim como de embasar condutas discriminatórias, que privilegiem alguns e retirem oportunidades a outros, sem que os afetados se deem conta.
A LGPD é um reflexo desta nova realidade, instituindo as regras do jogo, que devem ser seguidas para que se verifique um equilíbrio na relação entre o agente de tratamento de dados e o titular destes mesmos dados.
O objeto jurídico tutelado é a autodeterminação informativa, o direito de cada pessoa controlar o uso que é feito dos seus dados, e expressa o direito de cada indivíduo ao livre desenvolvimento da sua personalidade.
Neste sentido, a LGPD expressamente assegura, a cada pessoa, a titularidade dos seus dados (art. 17). É o reconhecimento legal de que os dados pertencem ao respectivo titular e não à empresa, ao Poder Público ou qualquer outro agente de tratamento de dados. Em pertencendo os dados ao seu titular, o empreendedor ou profissional não tem direito a priori à sua utilização, nem mesmo à coleta e armazenamento, somente o podendo fazer nas hipóteses e na forma dispostas na Lei.
A adequação das organizações à LGPD, portanto, é um pressuposto para o seu próprio funcionamento, já que o tratamento de dados pessoais de terceiros (sejam clientes, colaboradores, fornecedores ou parceiros) se lhes afigura imprescindível.
Devem entrar em campo e, ao menos, definir um plano e iniciar o processo de adequação, para que possam demonstrar a boa fé (um dos princípios da LGPD) na hipótese de terem que prestar contas, deixando muito bem registradas as razões pelas quais a adequação é ainda um processo em implementação. A constatação da inércia representa negligência e desrespeito no uso dos dados de terceiros, o que importa em agravamento de qualquer penalidade a ser eventualmente aplicada.
Ressalta-se que o treinamento e a conscientização dos colaboradores devem estar entre as medidas prioritárias.
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