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Coluna | Seu Direito
Dra. Christiane Reyder
contato@privacyempower.com
Advogada, Consultora e Mentora em proteção de dados. Mestre e Doutoranda em Direito pela Univ. Lisboa.
Perfil no Instagram: @chrisreyder_protecaodedados
 
A LGPD e a influência do histórico de consumo de fast food no valor do plano de saúde de uma pessoa
25/11/2021
 

O histórico de consumo de fast food por uma pessoa tem natureza de informação de caráter pessoal, nos termos da Lei Geral de Proteção de Dados – LGPD (Lei nº 13.709/2018) e pode ser de interesse de vários segmentos da sociedade, dentre eles o segmento da saúde suplementar, que usaremos como exemplo.

Ao estruturar informações como os horários, o tipo de comida encomendada e a frequência dos pedidos, obtêm-se um perfil que, combinado ainda com outras informações, obtidas noutros bancos de dados (alguns de acesso público), induz a conclusões sobre o estado de saúde da pessoa, atual ou previsível, considerando-o no risco que integra o cálculo atuarial da prestadora de serviços de saúde suplementar para definir o valor do plano de saúde.

A legislação de proteção de dados tem por base que a atividade de tratamento de dados pessoais retira, do titular das informações, a possibilidade de controle sobre elas e, consequentemente, sobre os impactos que o uso delas por terceiros pode acarretar para a sua vida.

Os reguladores de proteção de dados da União Europeia têm um exemplo simples que elucida um pouco um tipo de risco inerente às atividades comuns do dia a dia:

Imagine a situação em que o histórico de consumo de fast food é combinado com as listas de compras online da pessoa no supermercado. Ela recebe ofertas especiais e publicidade, dirigidas com base no histórico das encomendas, tanto quando está online, como também pelo correio, por e-mail, no site das duas empresas e nos sites de parceiros, quando os acessa, seja pelo computador, seja pelo celular. O seu histórico de navegação (sequência de cliques) também é rastreado, assim como os dados relativos à sua localização. Quem detém estas informações utiliza um software que analisa os dados e consegue prever as preferências desta pessoa e os momentos e os locais em que ela estará mais disponível para efetuar uma compra de maior valor, disposta a pagar um preço mais elevado, suscetível de ser influenciada por um desconto ou mais ansiosa e portanto sujeita a responder favoravelmente a um apelo para saborear uma sobremesa ou a refeição pronta favorita. Esta pessoa é bombardeada com publicidade persistente, p.ex., após o trabalho, com ofertas de comida pronta, a que ela tenta resistir mas acaba comprando. Os efeitos desta publicidade baseada na utilização de informação privilegiada sobre esta pessoa, incluindo os seus momentos de maior vulnerabilidade e susceptibilidade, refletem não somente no seu orçamento mensal, mas na sua saúde, dado que passa a consumir fast food com ainda maior frequência. 

O alcance da coleta de dados e as técnicas utilizadas para influenciar o consumidor, com previsão inclusive dos momentos e locais onde ele estaria mais suscetível de ceder ao apelo publicitário, com ausência de transparência acerca da lógica do tratamento dos seus dados, denotam um excessivo desequilíbrio na relação entre fornecedor e consumidor / titular dos dados, que a LGPD busca corrigir.

Voltando ao plano de saúde, o acesso a todo o histórico de compras de comida pronta e de preparo rápido por esta pessoa, que em função da publicidade termina por aumentar a cada dia, e que podem ser ainda combinados com outros dados como, p. ex., sedentarismo, o histórico de compras na farmácia, constrói um perfil de risco que é considerado no cálculo do valor do seu plano de saúde.

Entretanto, é improvável que fosse previsível para esta pessoa que as suas compras de fast food estariam influenciando o valor que lhe é cobrado pela prestadora de serviços de saúde suplementar.

O tratamento de dados pessoais portanto representa uma ingerência na esfera da vida privada de uma pessoa, com possibilidade de redução da sua autonomia e da sua liberdade. Daí o direito à proteção de dados.

Se a pessoa compra de fornecedores diversos através de uma mesma plataforma, os seus dados de consumo estão ali concentrados.

Isto significa que esta estratégia econômico-empresarial dos fast food aumenta o grau de risco para os seus clientes. Consequentemente, sua responsabilidade é também maior em assegurar que a plataforma contratada realiza o tratamento dos dados de acordo com a LGPD – a responsabilidade é solidária.
 
 
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