A Inobservância da LGPD Torna Inválida a Prova da Justa Causa da Dispensa do Trabalhador
Recentemente, uma decisão da Justiça do Trabalho (TRT-24) causou surpresa ao reverter uma dispensa por justa causa baseada num exame toxicológico, com fundamento na Lei Geral de Proteção de Dados – LGPD (Lei nº 13.709/2018).
Esta decisão contribui para reflexões importantes para a cultura da proteção de dados no Brasil, uma vez que descumprir a LGPD pode ensejar ilegalidades que invalidem vários atos jurídicos.
A vigência da LGPD exige de todos uma mudança de mentalidade – as atividades comuns do dia a dia, que envolvam informações de caráter pessoal, não podem ser mais realizadas como de praxe, sem uma reavaliação segundo os parâmetros da LGPD.
A Lei introduziu uma mudança de paradigma. A proteção de dados pessoais está na base de qualquer atividade que utilize estes dados, condicionando o modo como é realizada. É preciso considerar e registrar qual o fundamento jurídico-legal que autoriza aquele uso do dado pessoal, a finalidade legítima e específica a que o uso se destina, exige-se que o dado seja adequado e necessário para alcançar aquela finalidade, o titular da informação deve ser informado que seu dado será utilizado e de que modo, além dos direitos que lhe assistem.
No julgamento citado, o “teste do bafômetro” em um dos empregados acusou a presença de uma pequena taxa de álcool no seu organismo, o que motivou a dispensa pela justa causa “embriaguez em serviço”.
O resultado do exame é um dado pessoal, na medida em que a informação se refere a uma “pessoa natural identificada ou identificável”. Logo, o tratamento de dados representado pela coleta desta informação, assim como qualquer utilização posterior, precisa estar fundado em alguma das hipóteses em que a LGPD autoriza o tratamento de dados, além de cumprir as exigências mencionadas acima.
Não se trata de impedir ou restringir meramente o poder diretivo e fiscalizatório do empregador sobre o ambiente do trabalho. Mas de uma mudança no modo como este poder deve ser exercido, já que a proteção de dados deverá estar presente já na idealização de qualquer medida que envolva dados pessoais (princípio do privacy by design). Há um direito fundamental em jogo e ele deverá ser respeitado. Uma das funções dos direitos fundamentais é servir de critério de validade e limite para o exercício de outros direitos, faculdades ou prerrogativas.
Para realizar o “teste do bafômetro” nos empregados, a empresa precisará indicar uma base legal, considerando ainda que se trata de dado relativo à saúde e, portanto, dado sensível, que se sujeita a uma disciplina mais restrita para o seu tratamento.
Numa relação empregatícia, o consentimento não é uma base legal adequada, porque manifestação da vontade do empregado não seria livre, devido à subordinação hierárquica própria desta relação, o que o tornaria inválido. Qualquer outra hipótese legal em que se pretenda fundar a realização do exame depende da demonstração da imprescindibilidade daquela informação para se alcançar o objetivo do empregador, que deve ser específico: “o exercício dos seus poderes diretivo e fiscalizatório” é demasiadamente genérico e não atende à exigência da Lei. É preciso especificar os objetivos da coleta do dado dentro do contexto da atividade desenvolvida pelo empregado.
Além disso, o dado pretendido deve ser necessário para se alcançar aquele fim, o que exige um raciocínio de proporcionalidade, que revele que o fim pretendido não pode ser alcançado de outra forma, que seja menos invasiva da esfera privada do titular.
Em todas as situações, o tratamento dos dados deve ser transparente para o respectivo titular, que deve ser previamente informado dos seus principais elementos como a finalidade, como serão utilizados os dados, por quanto tempo, se serão compartilhados, quais os destinatários e as razões do compartilhamento e as responsabilidades de cada um.
A inobservância destas exigências torna ilegal a coleta do dado - a realização do exame toxicológico - de modo que o seu resultado não pode ser utilizado como prova; trata-se de prova obtida ilegalmente.
Esta circunstância se repetirá numa infinidade de outras situações em que a ilegalidade no modo de tratamento dos dados pessoais tornará ilegal o ato praticado com aqueles dados. A transversalidade do direito à proteção de dados pessoais condiciona, na base, toda atividade que utilize informação de caráter pessoal.
Evidencia-se assim a relevância do conhecimento da matéria e a implementação da cultura da proteção de dados no Brasil, para que não se corra o risco da invalidação dos atos jurídicos que utilizem dados pessoais.